Flashback

Quando entrei naquele avião, cerca de dez minutos antes, minha visão mal permitiu que notasse a sua presença. Continuava preocupado com aquela chuva que não cessava na pista do Aeroporto Internacional de Guarulhos.
De repente percebi uma pessoa ao meu lado. “É aqui que fica o assento 11E?”. Naquele dia estava muito nervoso. Abri um sorriso tímido e tentei me concentrar na suas expressões. Por sorte, havia me sentado, ou então cairia ao se deparar com aquele rosto.
Ele sentou ao meu lado e sorriu. Lindo, estatura média, não tão forte, mas definido. Uma voz meio rouca e profunda. Ele era perfeito. Ainda continuava trêmulo, pois os raios que cortavam o céu de São Paulo eram terríveis.
Ele viu que não estava tão bem e disse: “Precisa de ajuda? Você está transpirando muito...”. Ele pegou em minha mão e continuou: “Nossa, você está frio. Sua pressão deve estar baixa”. Eu ficava assim toda fez que entrava num troço daqueles, mesmo sem chuva. Era psicológico.
Olhei pra ele e falei: “Obrigado, meu corpo sempre reage em situações adversas...”. Ele riu e comentou que era normal, mas no meu caso eu não sabia disfarçar, pois era totalmente transparente. Uns cinco minutos depois a chuva parou e vi pela janela que as nuvens já não estavam tão carregadas. O comandante informou que partiríamos dentro do previsto.
Ele viajava sozinho. Disse que iria aproveitar Budapeste. Ainda comentou que morava em Portugal, mas estava em Sampa por motivos familiares, o pai não estava bem de saúde. Ele falou também que ficaria alguns dias na cidade húngara e depois seguiria para cidade do Porto resolver algumas pendências da faculdade.
Adriano, era esse seu nome, me perguntou se estava melhor e respondi um sonoro não. Ele riu novamente. Tinha senso de humor. Ele era divertido, inteligente e extremamente observador. Não parava um minuto se quer de me encarar. E também não podia negar, olhava para ele constantemente.
“Espero que se sinta melhor. Caso não, eu darei um jeito...” foi isso que saiu de sua boca. E eu interpretei aquela frase com certa ambigüidade. Ou ele era recém-formado em medicina ou estava recebendo uma cantada indiretamente. E prossegui: “Não se preocupe. Vou ficar ótimo assim que por os pés no chão, mas ninguém sabe se chegarei vivo em Budapeste, então preciso de proteção...”. E peguei em sua mão que estava subitamente quente.


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